ESTRUTURA DIRETIVA DAS CASAS ESPÍRITAS EM GOIÁS


Elias Inácio de Moraes

Existem dois conceitos importantes na ciência da Administração que nos auxiliam em uma análise da estrutura diretiva das nossas Casas Espíritas: o de atividades fim e de atividades meio.
Atividades fim - são todas aquelas que representam a razão pela qual a instituição existe, como é o caso das atividades doutrinárias, mediúnicas, estudos, evangelização infantil, mocidade e de ação social.
Atividades meio - são aquelas que visam dar condições para o funcionamento da Casa Espírita, como os serviços de relações públicas, secretaria, logística e controle financeiro/contábil.
Já existe um consenso na Administração de que ambos os grupos de atividade devem integrar o nível estratégico da instituição, que nas Casas espíritas é a Diretoria Executiva. Tanto as atividades fim, que representam a missão da empresa, quanto as atividades meio, que são o suporte para a sua realização, devem estar contempladas no topo da estrutura, de modo que todas elas sejam consideradas tanto no planejamento quanto no cotidiano das decisões.
Uma pesquisa realizada junto a 45 instituições espíritas do Estado de Goiás demonstrou que em 96% delas as atividades fim não participam da Diretoria Executiva. Nessas instituições a Diretoria Executiva é integrada por um Presidente, um Vice, e por um ou dois secretários e tesoureiros. Em apenas duas delas, ou 4%, as atividades-fim estão representadas, de maneira explícita, na Diretoria Executiva. Há uma Casa Espírita que não segue nenhuma dessas lógicas, e que foi excluída da análise por se tratar de um caso muito particular, que foge aos propósitos deste estudo.
O quadro abaixo resume em linhas gerais as diferenças observadas na pesquisa:
96% seguem o modelo tradicional
4% seguem um modelo mais atual
Presidente
Vice-Presidente
Secretário (um ou dois)
Tesoureiro (um ou dois)
Presidente
Diretor de Atividades Doutrinárias
Diretor de Assistência Fraterna
Diretor de Infância
Diretor de Juventude
Diretor de Relações Públicas e Secretaria
Diretor de Patrimônio e Finanças

Na prática isso é o mesmo que afirmar que as atividades de Secretário e de Tesoureiro são mais importantes que os estudos, as atividades doutrinárias, assistenciais, a mocidade e a evangelização infantil. Até porque aquelas têm cargos previstos nos estatutos, estão investidas do poder de decisão da Diretoria Executiva e são objeto de eleição pela Assembléia Geral. Enquanto isso as atividades-fim, que são a razão de ser da Casa Espírita, são representadas por simples cargos de coordenação, cujos ocupantes são escolhidos pelas pessoas que cuidam da burocracia, sem participação da Assembléia Geral nessa escolha.
Nos casos em que a Diretoria Executiva contempla tanto as atividades fim quanto as atividades meio, as decisões tomadas pelo colegiado levam forçosamente em conta tanto as questões de ordem burocrática, por conta da Secretaria e da Tesouraria, quanto às de ordem doutrinária, como evangelização infantil, mocidade, estudos e cursos, atividade mediúnica e a ação social.
É interessante observar que quando as atividades fim fazem parte da Diretoria Executiva há um envolvimento de todos os trabalhadores, através da Assembléia Geral, na escolha de quem estará à frente dessas atividades.
Em uma das Casas Espíritas, cuja diretoria também segue o modelo tradicional, nem sequer existe uma diretoria constituída, o que é preocupante tanto sob o ponto de vista legal quanto doutrinário. Numa análise estatística isso representa 2% dos casos.
Outro aspecto que chamou a atenção durante a realização da pesquisa é o fato de que nem sempre a composição da Diretoria Executiva é do conhecimento de todos os trabalhadores da Casa. Na fala de um dos entrevistados, “para falar a verdade, eu não conheço o estatuto”.
Várias pessoas manifestaram algum tipo de preocupação em relação a fornecer esses dados, como se houvesse algo de sigiloso. Na fala de uma pessoa que ajudou de maneira muito efetiva na coleta de dados, “as pessoas tem medo de passar as informações”. Neste caso, as informações solicitadas são de interesse público, e que deveriam estar à disposição de toda a comunidade da Casa Espírita.
Houve até mesmo um caso em que a pessoa que deu as informações preferiu omitir os nomes dos ocupantes de cada cargo. Em outro houve a “denúncia” de que a direção da instituição é restrita aos membros de uma mesma família.
Eu até procuro ficar distante dessas questões... porque há uns oito ou nove anos atrás eu sofri uma represália muito grande porque às vezes eu queria que as coisas funcionassem diferente. Não me afastei... Deus me deu a força suficiente para eu não me afastar. Estou no Centro desde minha infância mas não tomo muito conhecimento das coisas que acontecem por lá. Se fazem alguma promoção eu ajudo, mas eu procuro ficar mais longe, porque o Centro aqui é coordenado pela família, e só entra nessa cúpula quem eles querem.
Segundo esse mesmo relato, “lá parece que os cargos são vitalícios (...) não ouço falar em eleição há mais de 20 anos. Se tem eleição é só entre eles lá”.
Observa-se também a existência de uma cultura segundo a qual o Presidente detém o poder máximo na instituição. É como se a sua pessoa, pelo simples fato de ter sido eleita para o cargo, passasse a apresentar em si todas as condições, todas as qualidades e todos os conhecimentos necessários para fazer face a todas as necessidades que possam surgir no cotidiano da Casa Espírita. Como regra geral, salvo raras exceções, as pessoas desconhecem quase por completo o papel, e mesmo a existência, da Assembléia Geral.
Este é um dado interessante, porque o que estabelece a atuação da Assembléia Geral é mais do que uma orientação doutrinária; trata-se de exigência legal, constante do Código Civil, e que é permanentemente descumprida por muitos gestores de instituições espíritas.
Contra esse tipo de comportamento Allan Kardec já alertava que
maior garantia apresenta um conjunto de indivíduos, a cada um dos quais caiba apenas um voto e que nada podem sem o concurso mútuo, do que um só indivíduo, capaz de abusar da sua autoridade e de querer que predominem as suas idéias pessoais.
Puramente administrativa será a autoridade do presidente. Ele dirigirá as deliberações da comissão, velará pela execução dos trabalhos e pelo expediente; mas, fora das atribuições que os estatutos constitutivos lhe conferirem, nenhuma decisão poderá tomar sem o concurso da comissão.[1]
Para estar em coerência com a perspectiva kardequiana, bem como para atender aos requisitos legais que regem associações como as Casas Espíritas, a autoridade da Assembléia Geral deve ser, de fato, maior que a da Diretoria Executiva. É à Assembléia Geral que compete “temperar” e “fiscalizar” os atos dos dirigentes, de modo a garantir que todas as ações aconteçam no interesse da Casa Espírita e não no dos seus projetos pessoais.[2]
Todo o projeto de Constituição do Espiritismo de Allan Kardec repousa sobre o conceito de decisões colegiadas, de trabalho em equipe, mediante os quais as pessoas somam suas qualidades e neutralizam, mediante a ajuda dos demais, as suas limitações, contribuindo todos para decisões e ações mais acertadas, mais efetivas, com resultados mais consistentes, que promovem um sentimento coletivo de realização.
Portanto, não se trata apenas de estar em linha com os modernos conceitos da Administração. Uma estrutura que proporcione um adequado equilíbrio entre as atividades-fim e as atividades-meio representa uma nova mentalidade, na medida em que possibilita que todas participem em nível de igualdade das decisões mais importantes da instituição.
Mas não basta que seja procedida uma mudança nos estatutos e que essas atividades sejam incluídas na Diretoria Executiva. É preciso também que as diversas instâncias decisórias sejam respeitadas, mediante decisões colegiadas por parte da própria Diretoria Executiva, de uma atuação consistente do Conselho Fiscal e mais ainda, da Assembléia Geral, que precisa resgatar o seu papel legal e doutrinário de instância máxima de decisão nas casas Espíritas.
Talvez fosse isso também o que Jesus queria dizer quando recomendava dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, como se nos sinalizasse que é preciso respeitar as leis humanas tanto quanto devemos respeitar as Leis Divinas. Aliás, se não formos capazes de obedecer simples leis transitórias da Terra, de que modo podemos garantir que estamos obedecendo aos princípios mais elevados que representam as leis de Deus?




[1] Kardec, Allan. Obras Póstumas, pag.427 e 428 Ed. FEB, Rio de Janeiro/RJ, 2005.
[2] Idem, ibidem, pg.429. Entre aspas termos usados por Kardec para referir-se à atuação da Assembléia Geral.

Comentários

  1. Inspiradora. Parabéns está pesquisa demonstra o quanto temos ainda que desenvolve a humildade, o trabalho em equipe e o desapego. Fico feliz em saber do esforço empreendido e do resultado, pois nem sempre sabemos o produto final de uma pesquisa. Agora Elias mais trabalho. Preparação de dirigentes para as Casa Espíritas a Luz do Evangelho.

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  2. Parabéns Elias. Ficou claro que as gerências das casa espíritas precisam vivenciar o que propagam.

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