Elias Inácio de Moraes
Você se acredita mesmo senhor(a) das suas opiniões e decisões? Você tem certeza de que atua sempre de acordo com a sua liberdade de pensamento? Que garantia você tem de que, neste exato momento, não está sendo manipulado por alguma empresa especializada em “construir certezas” a respeito dos mais variados assuntos?
Um dos elementos
importantes do ideário espírita é o livre-arbítrio, segundo o qual cada um de
nós é livre para escolher nossos próprios caminhos, respondendo ao mesmo tempo
pelo resultado de cada uma das nossas escolhas. Jesus já nos alertava que a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória.
Nesse sentido alguns
fatos recentes merecem nossa atenção no que se refere ao exercício do livre
pensar. Se até recentemente estávamos ainda aprendendo a conviver com o
fenômeno da manipulação midiática, mediante o qual as empresas de comunicação
influenciam nas escolhas e decisões dos cidadãos, o desafio agora é aprender a
lidar com a manipulação cibernética, que detém muito maior potencial de
interferência sobre as nossas decisões, tanto individuais quanto coletivas.
Neste mês de março o jornal El País
trouxe uma série de reportagens a respeito do escândalo do
vazamento de informações do Facebook e suas implicações, deixando evidente que
tanto o Brexit – a saída do Reino
Unido da Zona do Euro – quanto a eleição de Donald Trump para a presidência dos
Estados Unidos podem sido decididas a partir da manipulação da opinião das
pessoas tendo em vista atingir um determinado resultado. Descobriu-se que a
empresa Cambridge Analytica fez uso
de dados do Facebook para desenvolver
ferramentas de publicidade política visando a manipulação da opinião de um
grupo específico de eleitores que se mostravam sensíveis a um determinado tipo
de abordagem, o que seria suficiente para a aprovação do Brexit, no primeiro caso, e para consagrar a vitória de Donald Trump,
no segundo.
Mas como isso
funciona? É muito simples. Toda vez que você paga um restaurante com o seu
cartão de crédito, envia uma mensagem pelo WhatsApp, pesquisa um assunto no
Google ou curte um post no Facebook você gera um registro que fica armazenado nos
imensos bancos de dados dessas grandes corporações, o chamado Big Data. Se você comenta um post em vez
de simplesmente curtir, o seu comentário vai inteiro para o Big Data. Através de algoritmos
específicos que vão analisando essas informações é possível elaborar um perfil
bastante preciso a seu respeito, que pode ser utilizado para te vender um
produto, te oferecer uma viagem, ou – e aí é que mora o perigo – te apresentar
uma notícia tendenciosa ou uma das inúmeras fake
news (notícias falsas) que estão circulando pelas redes sociais visando te
convencer de uma determinada ideia.
Já existem hoje
empresas especializadas na manipulação de opiniões, e que utilizam para isso
sites e perfis fantasmas, criados especificamente para veicularem conteúdos com
essa finalidade. A descoberta dessas empresas e do seu modo de atuação fez com
que muitos observadores e comentaristas chegassem à conclusão de que a democracia
está morta, ou seja, o poder desses mecanismos de manipulação da opinião
pública coloca por terra a esperança de uma sociedade onde prevaleça a vontade
da maioria. Já está suficientemente comprovado que alguém que tenha interesse
específico em uma determinada direção e que concorde em pagar por esse tipo de
serviço pode fazer com que a balança da opinião pública seja direcionada em
favor dos seus interesses, em detrimento das expectativas da maioria.
O que essas empresas
fazem nada mais é do que aquilo que sempre existiu e que foi considerado
abominável por parte das pessoas de bom senso: a maledicência e a fofoca. Já
está suficientemente claro que foi espalhando falsos comentários a respeito de
assuntos ligados à participação do Reino Unido na União Europeia, bem como
ilusões a respeito de um Reino Unido independente, que foi aprovado o Brexit, que está colocando em risco todo
um projeto de unidade para a Europa, construído à custa de muito esforço pela
paz no continente. E foi também espalhando notícias falsas a respeito de determinados
candidatos e divulgando fatos elogiosos a respeito de outros, que foi possível
a essa empresa influenciar o resultado da eleição dos Estados Unidos, jogando
por terra todo um projeto de pacificação trabalhado durante décadas e
restaurando a política belicista ora em curso. E as pessoas que foram alvo
desse “trabalho” nem sequer aceitam que tiveram sua opinião manipulada, tal
a sutileza com que é levado a efeito.
Quando praticada em escala
reduzida, no círculo das relações interpessoais, os danos de uma simples fofoca
já são difíceis de serem evitados. No nível da manipulação midiática, campanhas
de marketing político ou de promoção de vendas que fazem uso desse tipo de estratégia
têm sido consideradas antiéticas e até mesmo combatidas. Mas o que hoje assusta é
que, mediante o uso de algoritmos aplicados sobre essa montanha de registros de
dados pessoais é possível influenciar diretamente – e de modo imperceptível – milhões
de pessoas que se mostrem mais suscetíveis a tal ou qual método de abordagem, de
maneira muito mais eficaz e a um custo muito menor. Deste modo, torna-se possível
investir pontualmente em um determinado perfil de pessoas, mediante uso de fake news e outros recursos de
influência, de modo a construir um modo de pensar específico e a torná-lo dominante
dentro de um grupo social ao final de um determinado período.
E onde fica, então, a
nossa liberdade de decisão, tanto coletiva quanto individual?
O sociólogo Antony
Guiddens utiliza uma metáfora para referir-se ao nosso comportamento enquanto coletividade:
o carro de Jagrená. Jagrená é o nome atribuído a uma das inúmeras divindades do
hinduísmo, que sai anualmente pelas ruas dirigindo um carro errático, sem
controle, sob cujas rodas os seus seguidores podem ser esmagados. A sociedade
que construímos é como o carro de Jagrená, que pilotamos coletivamente. Ao
mesmo tempo em que a nossa ação pessoal é insuficiente para controlá-lo, a sua
direção é resultado da nossa ação conjunta, para a qual contribuímos com as
nossas decisões pessoais ou com a nossa omissão.
O problema agora é
que, na era da manipulação cibernética, interesses estranhos aos nossos podem
estar influenciando de modo imperceptível o nosso modo de pensar tendo em vista
determinar a direção do nosso esforço na movimentação desse prodigioso carro de
Jagrená. Como somos responsáveis não apenas pelos resultados das nossas ações
individuais, mas também pelos resultados da nossa movimentação coletiva, quanto
mais desperta a nossa consciência, maior a nossa responsabilidade (LE-637).
Quando repercutimos
uma notícia falsa, quando compartilhamos uma calúnia através do WhatsApp ou do Facebook, quando fazemos um comentário em apoio a um post que propaga ódio nas redes sociais,
estamos não apenas sendo influenciados, mas também influenciando, em
atendimento a interesses escusos, na direção desse carro de Jagrená. Nossa
ação, por mais insignificante e inconsciente que pareça, está contribuindo para
um resultado coletivo que pode ser muito danoso do ponto de vista social,
esmagando sob as rodas desse carro errático centenas ou milhares de vidas e de
esperanças por um mundo melhor, mais solidário e mais justo.
Se não desejamos ser usados
na direção de interesses escusos que podem estar por trás de invisíveis
projetos de manipulação cibernética, aprendamos com Jesus que nos recomendava
agir para com os outros da mesma maneira que gostaríamos que agissem para
conosco, independente de a pessoa do outro lado ser um estadista ou um personagem
anônimo, um santo ou um criminoso. Seja diante de notícias aparentemente bem
intencionadas, seja diante das incontáveis fake
news que circulam nas redes sociais, os espíritos já nos deixaram, através
de Kardec, um parâmetro para o que convém e o que não convém compartilhar: tudo
o que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer uma linha de separação
entre os filhos de Deus não pode deixar de ser falso e pernicioso (LE-842).
Cada um de nós
responderá não só pelo mal que propositalmente tenhamos cometido, mas também
pelo resultado desastroso a que tenhamos dado lugar, seja pelas nossas pequenas
ações cotidianas, seja pela nossa omissão diante de uma atitude potencialmente
destrutiva que, pelo nosso nível de esclarecimento, já possa ser percebida como
tal (LE-639).
Há mais de meio século
Bittencourt Sampaio também comparava nosso mundo a uma nau em meio à tempestade,
atravessando a noite moral do mundo, e nos alertava quanto à nossa “acomodação
com os processos inferiores da experiência humana”. Concluía lembrando que o
Cristo está no leme, e que, para conduzir essa nau a um porto seguro, ele conta
conosco, os que esposamos na Doutrina Espírita o ideal de uma vida mais pura e
mais ampla.
Portanto, para permanecermos
imunes às influências deletérias do momento e nos somarmos ao projeto Divino da
construção do Reino dos Céus na Terra, compete-nos tão somente cooperar agindo,
tomando como base os padrões elevados do seu Evangelho de amor.[1]
[1]
Referências Bibliográficas: Kardec, Allan. O
Livro dos Espíritos, questões indicadas entre parênteses; Xavier, Francisco
C. Instruções Psicofônicas, por
espíritos diversos, lição 64. Ambos da Ed. FEB, Rio de Janeiro/RJ.
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