PANDEMIA: Só morre quem tem que morrer?

Esta pergunta tem circulado nos meios espíritas, seja sob a forma de pergunta mesmo, seja sob a forma de uma afirmação segura, uma certeza plena, mas que carece de uma análise mais cuidadosa. 

Pelo que a teoria espírita nos apresenta existem pelo menos cinco motivos pelos quais uma pessoa pode vir a desencarnar por contaminação pelo coronavírus:

Expiação – É a primeira que tem sido lembrada. A gente ouve as pessoas dizendo: “só vai morrer quem tem que morrer”, ou então, “as pessoas já estão marcadas”. Não é bem assim. Realmente pode ser que algumas pessoas tenham no seu quadro de necessidades espirituais a desencarnação em uma situação parecida com a que esse vírus proporciona. Isso pode ter por objetivo alguma forma de aprendizado ou de superação de algum sentimento de culpa em relação a alguma atitude sua no passado. Pode ser que desencarnar nessa situação lhe seja benéfico. Nestes casos, seja por uma espécie de Lei de Atração que a gente não compreende ainda, seja por ação dos espíritos amigos daquela pessoa, ela pode contrair o vírus e evoluir um quadro clínico segundo a sua necessidade. Neste caso, se estiver no seu projeto espiritual desencarnar em uma situação semelhante, ou se isso lhe for útil tendo em vista alguma necessidade espiritual, ela pode vir a óbito.

Provação – Esse é o tipo de desencarnação que muitos desconhecem ou ignoram. A ideia de “provação” é uma parte da teoria espírita que é ainda pouco compreendida. O que ela significa? Significa uma situação que representa aprendizado, pura e simplesmente. A vida é exatamente o campo de aprendizado que nos oferece possibilidades inúmeras, situações as mais variadas, onde o nosso aprendizado acontece tendo em vista nosso crescimento espiritual. A pessoa pode tornar-se vítima da negligência de pessoas da sua convivência, de governantes, da própria sociedade, e experimentar uma situação de sofrimento ou de desencarnação que contribui para o seu crescimento espiritual sem que isso esteja no seu projeto de vida. Não há nada no seu passado que torne necessário passar por essa experiência ou vir a desencarnar dessa maneira, mas a situação evolui de um modo tal que, devido à negligência de terceiros ela termina contraindo o vírus e, com um quadro de saúde não muito favorável, pode ser que ela venha a óbito sem que isso estivesse no seu projeto existencial.

Missão – Determinadas pessoas são chamadas a contribuir no enfrentamento a situações dessa natureza, sem que isso esteja no seu quadro de expiações. Funciona como provação, como aprendizado, mas talvez seja conveniente destacar essas situações como missão, até uma missão especialíssima, tal o nível de sacrifício a que a pessoa se oferece. É o caso dos nossos profissionais de saúde que neste momento são chamados a expor suas vidas em benefício de todos nós. Um bom exemplo é o que se deu em Fukushima, no Japão, onde 220 técnicos com mais de 60 anos de idade se ofereceram para promover os reparos necessários nos reatores danificados pelo tsunami de 2011. Eles sabiam que perderiam a vida em seguida, e de maneira muito dolorosa, mas aceitaram essa condição visando salvar as vidas dos demais. É também o caso de Jesus e de grande parte dos mártires da história.

Oportunidade – Algumas pessoas podem ter estabelecido para a sua vida, ou seus amigos espirituais o fizeram por ela, um prazo determinado ou um projeto específico de realizações na Terra, findas as quais elas retornariam ao mundo espiritual aproveitando-se de um acidente, uma doença oportunista, uma circunstância que lhe proporcionasse ensejo. Irrompendo a pandemia, ela se torna a oportunidade de atender àquela necessidade específica. Mais uma vez, alguma espécie de Lei de Atração ou a atuação de espíritos amigos facilitam a sua contaminação de modo que ela possa aproveitar a pandemia como oportunidade para retornar ao mundo espiritual dentro do projeto previsto. Pode ser este o caso de Eurípedes Barsanulfo, que faleceu em uma pandemia de gripe espanhola. Tendo concluído o seu trabalho na Terra, nada mais justo que aproveitar a oportunidade de retorno. Mas pode ser que o caso dele se enquadre no de missão, sacrificando-se pelos demais enfermos a quem tudo faltava

Suicídio – Quando a pessoa se expõe à contaminação por negligência, arrogância ou irresponsabilidade; não usa máscara, não atende ao distanciamento, se aglomera. Pode ser que a pessoa aja dessa maneira em virtude de algum sentimento íntimo de desprezo à vida, de cansaço de viver ou por fuga de uma situação existencial que lhe é muito desconfortável. É claro que se trata de um suicídio com atenuantes, até porque cada situação é única e a Misericórdia Divina socorre cada um de nós de acordo com as particularidades da situação. Mas não há como deixar de considerar que algumas atitudes diante da pandemia podem ser claramente consideradas como suicídio, ainda que inconsciente.

Sem dúvida, em todas essas situações prevalecem as necessidades do espírito, acima das simples contingências humanas. Mas, pode-se deduzir daí que essas mortes deveriam acontecer? 

De modo algum. A vida é sempre um dom especialíssimo da Bondade Divina que precisa ser preservado e aproveitado até onde for possível. Negligenciar nos cuidados com a própria vida, ou, mais grave ainda, nos cuidados com a vida de terceiros, é assumir compromissos graves para o futuro.

O progresso tecnológico e social nos permite estabelecer meios de prevenir e mesmo de evitar, ou minimizar, os danos que uma situação de pandemia como esta pode nos trazer, e cabe a nós, enquanto sociedade, e aos governantes, enquanto responsáveis pelo bem-estar coletivo, utilizar esse progresso em favor da vida humana.

Não seria o caso de ver essa pandemia como uma oportunidade de mostrarmos o nosso empenho, tanto como indivíduos quanto como sociedade, para que as mortes sejam evitadas? Não pode essa pandemia funcionar também como um teste ao nosso espírito de solidariedade, à nossa capacidade de nos preocuparmos com o todo em vez de apenas conosco mesmos?

Apenas como exemplo, a China, com 1,4 bilhão de habitantes, teve 4.600 mortes até agora; outros países, com menos de 100 milhões de habitantes, estão contando seus mortos pelas dezenas de milhares. Enquanto na China as ocorrências de mortes devidas à pandemia foram da ordem de 2,3 por milhão, na Espanha ela já está em 456 por milhão; na Itália, em 402 por milhão; na França, 312 por milhão; no Reino Unido, 250 por milhão. Não resta dúvida de que há importantes fatores sociais por trás dessas diferenças expressivas na quantidade de mortes, e que nem todas essas mortes estavam “previstas” como às vezes se imagina.

A Lei de Amor estabelece que toda dor deve ser evitada, e não justificada mediante a nossa indiferença ou a indiferença de toda a sociedade. Pandemias, tsunamis, tragédias, não são ações programadas por um Deus vingativo que deseja punir seus filhos por algum tipo de desobediência, um "castigo de Deus" como às vezes ainda se ouve do imaginário popular. O Espiritismo, na sua aliança com a ciência, compreende que essas ocorrências mais não são que fenômenos da natureza, ou mesmo provocados pela negligência humana, e dos quais o espírito tira proveito para o seu aprendizado, para o desenvolvimento da sua consciência de si mesmo, do outro e do ambiente ao seu redor.

Cumpre-lhe, inclusive, aprender a prevenir e a minimizar os males decorrentes dessas tragédias, como fica claro nas questões 663, 685, 705, 964 e, em especial, na questão 741 de O Livro dos Espíritos, bem como nas "causas atuais das aflições" e no capítulo “amar o próximo como a si mesmo”, de O Evangelho Segundo o Espiritismo.

Portanto, em vez de achar que “tudo está previsto”, como comumente se ouve, melhor é refletir, como sugere Kardec: será que não está nas nossas mãos, como indivíduos e como sociedade, a oportunidade concedida por Deus de minimizarmos o sofrimento de outrem, de evitar que algum mal o atinja e até mesmo a de poupar-lhe a vida?

Para um entendimento pautado em uma consciência genuinamente espírita e cristã isso nem chega a ser caridade, mas simples dever social.

Comentários

  1. Os ensinos são muito claros. Enquanto houver um ser humano em sofrimento, eu não serei feliz...
    Significa que eu enquanto indivíduo sou co-responsavel pelo próximo e a sociedade deve contribuir pela felicidade de todos, não só os governos .

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  2. Que bom que somos muitos pensando assim, Alice! Vamos lutando, juntos, por um mundo melhor e mais feliz para todos. Obrigado por comentar.

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  3. As pessoas ainda associam tudo à ideia de "carma", palavra que Kardec sequer usou, ou mesmo "maktub", com a ideia de um destino irrevogável.

    Acredito que também haja uma situação bastante delicada para nós, espíritas: a tentativa de ter resposta para tudo, quando há muito o que se pensar, e nem sempre encontramos o mais adequado.

    Foi importante rever esses conceitos exatamente para que pudéssemos repensar a nossa visão não somente sobre a pandemia, mas também sobre outros aspectos que envolvem tragédias coletivas; sempre há alguém a lembrar do incêndio do circo do profeta Gentileza em Niterói, colocando as situações em "caixinhas"; precisamos sair dessas "caixinhas" e levar em conta que cada caso é um caso diferente.

    Muito bom, Elias! Parabéns pelo texto!

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  4. Excelente texto. Parabenizo também pelo vídeo gravado falando sobre este mesmo tema. Aproveito para sugerir que gravasse mais vídeos como esses. A audiência tem se acostumado muito a se informar com vídeos e acredito que seria muito útil que esse conteúdo, racional, progressista e em coerência com a codificação Kardequiana, seja enviado para mais pessoas. Forte abraço.

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  5. Muito obrigado, Filipe e Francisco, pelos comentários e sugestões. Um abraço de irmão de ideal.

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