Uma pessoa atuante no movimento espírita, tendo lido as
publicações deste blog a respeito da posição dos espíritas em relação à legislação do aborto, enviou em particular
a seguinte mensagem:
Elias pediria uma gentileza a você, que escrevesse um artigo
complementar à questão apresentada sobre o aborto contendo os seguintes itens:
- O que é o aborto?
- Em que circunstâncias ele deveria acontecer?
- Quais as consequências lamentáveis para a alma eterna à Luz
da Doutrina Espirita Cristã?
Respondo, aqui, pelo blog:
O que é o aborto?
O aborto é prática antiga nas mais diversas culturas e já
foi utilizado sob os mais variados motivos, desde simples capricho de homens ou
mulheres até os mais escusos interesses econômicos (questões de herança, evitar
o crescimento de populações indesejadas, etc).
Atualmente existem alguns motivos pelos quais ele tem sido
defendido:
- Quando o feto apresenta malformação (caso dos anencéfalos,
microcefalia, e outros).
- Quando a mulher, tendo engravidado, não deseja ter o
filho, seja por resultar de uma relação indesejada (decepção amorosa, violência
sexual) ou porque entende que não é o momento adequado de ter um filho (ou mais
um filho).
A questão que se coloca é que, em se sabendo hoje que é o
espírito reencarnante que orienta a formação do novo corpo desde que se forma o
embrião no útero materno, o aborto passa a ser entendido como um ato de
violência contra esse espírito, frustrando seu desejo de renascer e, às vezes,
impedindo a concretização de verdadeiros projetos de socorro e amparo via
estrutura familiar.
Não é o caso de simplificar com o argumento pseudo-filosófico de que se trata
de uma forma de “agressão à vida”, considerando a "vida", por si mesma, como algo sagrado. Agressão à vida a maioria de nós comete
todos os dias, em especial com os nossos hábitos alimentares, que incluem no
cardápio a carne de seres vivos, sacrificados aos milhares, especialmente para
a nossa alimentação.
No caso do aborto não é a "vida" que está em jogo. O problema é de natureza relacional: há um ser que deseja renascer e alguém impede que isso aconteça. Muitas vezes essa pessoa é a mesma que ele pretende (ou custou a aceitar) ter como sua mãe.
No caso do aborto não é a "vida" que está em jogo. O problema é de natureza relacional: há um ser que deseja renascer e alguém impede que isso aconteça. Muitas vezes essa pessoa é a mesma que ele pretende (ou custou a aceitar) ter como sua mãe.
Em que circunstâncias
ele deveria acontecer?
A rigor, o aborto não deveria acontecer em nenhuma
circunstância; todo espírito reencarnante deveria ser bem vindo.
Mas as leis humanas permitem o aborto em três situações. Uma
delas é na ocorrência de malformações fetais, como a anencefalia. Atualmente o
STF está decidindo se estende essa medida aos casos de microcefalia decorrentes
da doença provocada pelo vírus Zika. As outras situações são nos casos de violência
sexual e quando a vida da mãe está sob risco.
Não resta dúvida de que são situações em que a psique da mãe
é desafiada ao extremo. Mesmo assim, há registros heróicos de mulheres que
permitiram o nascimento dos filhos mesmo nessas circunstâncias, e que depois se
orgulharam disso.
O que a lei considera é que não se pode exigir atos de
heroísmo de quem quer que seja. Há mulheres que entram em pânico à simples
possibilidade de que uma gravidez nessas circunstâncias venha a prosperar.
A questão que se coloca não é a de ser contra ou a favor do
aborto. No meio religioso em geral todos somos contra o aborto. Mesmo nos meios
não religiosos poucas são as pessoas que aprovam o aborto em qualquer situação.
A questão que está em discussão é se devemos concordar em
que uma mulher seja presa porque fez um aborto sem o respaldo das leis humanas.
É só isso o que está em discussão.
Sabemos que há quem defenda o direito de uma mulher abortar
simplesmente por achar que não é o momento de ter o filho, porque apresenta uma
malformação, ou porque não é do sexo que ela desejava. São pessoas cujas
convicções filosóficas e religiosas fazem-nas crer que as mulheres são donas
exclusivas do próprio corpo.
E aqui já se observa uma implicação no terreno do Direito. Como
o Brasil é um estado laico, essas pessoas têm o direito de ser respeitadas no
seu modo de ver, ainda que nós espíritas pensemos diferente. A pretexto de
defender a vida, não podemos estabelecer uma Teocracia com base nos preceitos
espíritas, que não leve em conta a diversidade de crenças.
Mas não é isso o que está em discussão.
O que está em discussão é se é justo, se é humano, se é
cristão, colocar sob grades uma mulher, apenas como forma de punição por ela
ter praticado algo com que eu e muitas outras pessoas não concordamos, ou que
"Deus" não aprova, ou mesmo por ela ter causado sofrimento ao
espírito que pretendia renascer, frustrando-lhe a expectativa.
Prisão é medida extrema, destinada a pessoas que representam
ameaça à segurança pública. Uma mulher que aborta um filho é uma mulher
equivocada, que não compreende a vida sob as múltiplas implicações espirituais
como nós a compreendemos. Pode estar até mesmo perturbada, sob conflitos
emocionais profundos.
Uma mulher nessas condições necessita de ajuda, de esclarecimento,
mas não de cadeia.
Quais as
consequências para a alma eterna à Luz da Doutrina Espírita Cristã?
Há um caso que ilustra bem essa questão.
Em uma reunião mediúnica manifestou-se o espírito de uma mãe
que havia desencarnado durante uma tentativa de aborto, apresentando todo um
quadro de sofrimento, desorientação, angústia, comuns a essas situações. Foi
acolhida, reconfortada, amparada.
Logo em seguida manifestou-se o espírito que a havia trazido
à reunião afim de que ela pudesse ser socorrida. Para surpresa de todos o
espírito era o mesmo que havia sido abortado. Ele contou que ela havia
reencarnado com algumas provas mais difíceis em vista, e ele, ligado a ela por
laços de afeição, a acompanhava de perto.
Em determinado momento ficou claro para ele que talvez ela
não conseguisse forças para vencer algumas provações mais dolorosas,
adentrando, talvez, pela via do suicídio. Foi quando ele buscou a ajuda de
espíritos em condição mais elevada para que pudesse renascer como filho dela,
afim de ser-lhe o esteio e a força que pareciam faltar-lhe.
São do próprio espírito, por via mediúnica, as palavras que
se seguem: “Eu, contudo, cheguei tarde. Quando a gravidez veio ela já estava
muito fragilizada pelas lutas e por isso o aborto pareceu-lhe uma saída
adequada. Nada pude fazer, mas alegro-me por ter-lhe, pelo menos evitado um
possível suicídio.”
Não resta dúvida que as conseqüências do aborto apresentam
uma variedade imensa, a depender das condições tanto do espírito reencarnante
quanto da mulher envolvida na situação. Depende das relações previamente
estabelecidas, da situação em que cada um se encontra e de uma infinidade de
outras variáveis. A literatura espírita está repleta de relatos sombrios
envolvendo tramas obsessivas complexas e situações de culpa por parte da mulher
que aborta como forma de desestimular a prática do aborto e de alertar para a
gravidade de uma decisão dessa natureza. Nem por isso pode-se colocar todos os
casos dentro de uma mesma categorização.
As conseqüências podem ser muito dramáticas nos casos que
envolvem espíritos ligados por anteriores relações de rejeição e de ódio, e
podem ser mais brandas quando se trata apenas de equívocos, mal entendidos,
decorrentes das condições culturais em que a nossa humanidade ainda se acha
envolvida. Às vezes o mesmo espírito que foi rejeitado em um primeiro momento
comparece em uma segunda gravidez e fica feliz por ser então aceito.
Quando Kardec indagou aos espíritos a respeito das conseqüências
do aborto para o pretenso reencarnante, a resposta que eles deram é de uma
simplicidade que merece uma reflexão mais cuidadosa: “É uma existência
nulificada e que ele terá de recomeçar.”
A tradição judaica baseia-se na Justiça Divina, presente no
Velho Testamento, mas a tradição cristã tem como fundamento a Misericórdia
Divina, baseada no amor, de que Jesus foi o maior exemplo. E de misericórdia e
amor necessitamos todos nós.
Comentários
Postar um comentário