ABORTO: PUNIR NÃO EVITA,
É PRECISO ACOLHER
Elias I. Moraes
Este ano de 2017 será decisivo para a
questão da legislação anti-aborto no Brasil, uma vez que a questão saiu da
esfera do legislativo e passou para a esfera do judiciário por força da Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, pela qual se alega que
os dispositivos que criminalizam o aborto violam os princípios e direitos
fundamentais garantidos na Constituição Federal.
Atualmente as mobilizações em relação
à legislação anti-aborto acontecem segundo três vertentes principais:
1. Os movimentos feministas defendem que
a mulher seja a dona exclusiva do seu corpo e que o aborto seja considerado um
direito seu, sem qualquer controle por parte do Estado. Pedem a liberação pura
e simples, mediante revogação do art. 124 do Código Penal, que considera crime
o aborto.
2. Alguns movimentos sociais buscam um
meio termo. Não concordam com a simples liberação, como defendem as feministas,
mas também não concordam com a atual política de criminalização, por julgá-la
ineficaz. Propõem que seja descriminalizado nas situações em que a mulher se
submeter a um programa de prevenção sob a tutela do Estado, nos moldes do que
foi implantado no Uruguai.
3. Apoiados pelos evangélicos e por boa
parte de católicos e espíritas, a ala BBB do Congresso Nacional, integrada
pelas bancadas da Bala, da Bíblia e do Boi, propõem o endurecimento da
legislação atual, reforçando a política de criminalização em vigor mediante
equiparação dos direitos do nascituro ao de uma pessoa já nascida.
Com o vazio deixado pelo poder
legislativo em função do momento político atual, o STF – Supremo Tribunal
Federal deverá se pronunciar a respeito dos artigos do Código Penal que punem
com pena de detenção uma mulher que proceda um aborto em si mesma ou que
consinta que alguém o faça. Segundo a proposição esses artigos seriam
inconstitucionais por não respeitarem os direitos fundamentais das mulheres,
como a sua autonomia, integridade física e psíquica e seus direitos sexuais e
reprodutivos. Alegam ainda que a legislação atual viola a igualdade entre os
gêneros e ainda traz um impacto desproporcional para as mulheres pobres, que
são as únicas penalizadas.
Em uma decisão anterior, favorável à
descriminalização, o ministro relator apresentou, entre os seus argumentos, o
fato de que a legislação atual não é eficaz no sentido de proteger o objeto que
pretende defender, ou seja, a vida do feto, já que ela apenas pune o fato
depois de ocorrido, sem nenhuma medida preventiva.
No Uruguai foi adotada em 2012 uma
nova legislação pela qual o aborto foi parcialmente descriminalizado. Para que
o procedimento não seja considerado crime a mulher deverá buscar assistência
nos organismos públicos de saúde, que lhe prestarão todas as informações a
respeito dos seus direitos, inclusive a possibilidade de adoção em caso de ela
levar a gravidez a termo. Além da orientação do ginecologista ela será também
entrevistada por uma psicóloga e uma Assistente Social. Depois disso ela terá 5
dias para refletir sobre se deseja mesmo interromper a gravidez. Se mesmo assim
ela mantiver sua intenção inicial ela terá sua decisão respeitada e o Estado
autorizará que um médico do sistema público de saúde oriente o procedimento.
Não se trata de uma questão simples,
uma vez que a nova lei reconhece para a mulher o direito ao aborto quando ela,
após devidamente orientada, mantiver sua decisão. Mas há também um lado
positivo, que são as ocorrências de desistência por parte de mulheres que
inicialmente pretendiam abortar e que, devidamente orientadas, desistiram de
fazê-lo. Cada mulher que desiste de abortar representa uma vida que é salva.
A Dra. Letícia Rieppi, que acompanha
a implementação do programa e os seus resultados no Uruguai, explica que ficou
surpresa com o crescimento do número de desistências. Ela entende que este dado
demonstra que a lei vem cumprindo o seu papel. “Não é uma lei que promove o
aborto, mas a reflexão” – explica ela.
Já está suficientemente claro que a
legislação brasileira, que foi estabelecida em 1940 tendo como base a
criminalização da conduta, não tem apresentado o mínimo resultado no sentido de
evitar que o aborto aconteça. Estima-se em algo em torno de meio milhão de abortos
acontecendo todos os anos sem que nada se faça no sentido de evitá-los.
Nesse sentido a nova legislação
uruguaia se mostra mais eficaz que a brasileira, já que consegue salvar pelo
menos uma parte das vidas que, pela legislação anterior, estariam condenadas
desde antes do seu nascimento.
Talvez seja o caso, se é que ainda é
tempo, de repensar posições. Em vez de insistir na simples
criminalização, como tem sido feito até o momento, não seria hora de defender uma nova diretriz, baseada nos postulados do Evangelho de Jesus, que estabelece
a misericórdia como parâmetro de conduta? Com sua postura diante da mulher
adúltera Jesus não deixa margem à dúvida: “também eu não te condenarei; vai-te
e de futuro não tornes a pecar”. É assim que ele traduz a conduta que, com
certeza, espera de cada cristão.
Um mundo de regeneração não tem como
ser construído sobre velhas bases. Sua implantação requer mudanças em todos os
níveis, inclusive no nosso aparato legal, substituindo leis obsoletas, baseadas
no espírito de vingança social, por uma nova legislação de caráter preventivo,
fundada na misericórdia e na ação proativa em direção ao bem.
Mais do que punir o culpado depois do
crime cometido, precisamos de novas leis que tenham como objetivo evitar que o
crime se concretize. Na questão da legislação anti-aborto, não seria o caso de criar uma legislação que tenha como foco salvar vidas, em vez de apenas estigmatizar
a mulher que a ele se submete?
Uma pesquisa levada a efeito em
Salvador/BA evidenciou que 67% das mulheres que se submeteram a um aborto no
período do estudo apresentaram como principal motivo alguma ocorrência
relacionada a um dos vários tipos de violência doméstica, psicológica ou física.
Evitar esses abortos, salvar essas vidas, passa por oferecer a essas mulheres
alguma forma de acolhimento, orientação, apoio e assistência.
Quando isso não se mostre suficiente,
não será uma legislação mais ou menos repressiva que a poupará de responder diante
da Justiça Divina pelos eventuais danos que venha a causar ao espírito
reencarnante, quando for este o caso. Importa lembrar também que a Justiça Divina sempre leva em conta
os diversos fatores que a levaram a essa decisão, lembrando que, de acordo com
André Luiz, toda e qualquer reparação estará sempre ancorada no critério da
“pena mínima”[1], voltada
para a conversão do pecador, e não para o seu sacrifício.[2]
A tão desejada transição planetária requer a adoção de leis mais condizentes com a Justiça Divina, que tenham como base o Amor e a Caridade, sem os quais não há verdadeira justiça,
conforme propõe Allan Kardec.[3]
As novas leis que deverão reger um mundo de regeneração deverão levar em conta
a expressão de Emmanuel quando afirma que “a misericórdia é o alicerce da lei
de Deus”.[4]
[1]
Xavier, Francisco C; Vieira, Waldo. Evolução em Dois Mundos. Pelo
espírito André Luiz. 2ª parte do cap. XIV, Ed Feb, Rio de Janeiro/RJ, 2011.
[2]
Evangelho de Mateus cap. 9 vv.13. Bíblia de Jerusalém, Ed. Paulus, São
Paulo/SP, 2002.
[3]
Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos.
O cap. XI propõe uma nova perspectiva sob o título de Lei de Justiça, de Amor e
de Caridade.
[4]
Xavier, Francisco C. Palavras de Vida Eterna, pelo espírito Emmanuel,
lição 80. Ed. CEC, Uberaba/MG, 1987.
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