Elias Inácio de Moraes
A garotinha Avery Jackson, aos seus 7 anos, conta a sua história: “Quando eu nasci o médico disse que eu era um menino, mas eu sabia, no meu coração, que eu era uma menina”. Criada até então como um menino, aos 4 anos de idade ela disse aos seus pais que queria vestir-se como menina. Seus pais respeitaram seu desejo, e desde então ela sempre preferiu vestir-se como menina, portar-se como menina, ser a menina que entendia ser.
Em janeiro de 2017, aos 9 anos, Avery
tornou-se a primeira pessoa transgênero a ser estampada na capa da revista
National Geografic, que desenvolveu um estudo em nível mundial a respeito do
assunto especialmente com crianças dessa idade. A capa da revista traz também
um pequeno trecho da entrevista que ela concedeu aos pesquisadores: “A melhor
coisa de ser uma garota é que agora eu não preciso fingir ser um garoto”.
Palestrantes espíritas,
evangelizadores, coordenadores de atividades, têm se mostrado às vezes
embaraçados diante de questões relacionadas a este assunto, que até então não
tem recebido no meio espírita o tratamento que a sua importância sugere. Com os
movimentos afirmativos das comunidades LGBTT essa temática tem conquistado
espaço nas mídias, forçando as pessoas e instituições a darem ao tema a atenção
que ele requer.
Nada mais justo, portanto, que se
ofereça algum esclarecimento que facilite o nosso posicionamento enquanto
espíritas a respeito dessa questão.
Desde 1971 que Emmanuel, em perfeita
sintonia com Kardec, já tratava o tema com a mais absoluta naturalidade,
explicando que
Através de milênios e
milênios o Espírito passa por fileira imensa de reencarnações, ora em posição
de feminilidade, ora em condições de masculinidade, o que sedimenta o fenômeno
da bissexualidade, mais ou menos pronunciado, em quase todas as criaturas.[1]
Em perfeita sintonia com esse
entendimento, Psicólogos e Sociólogos da atualidade têm concluído que quando a
criança nasce ela não deve ser considerada, de modo definitivo, como sendo do
sexo masculino ou do feminino. Os pais precisam estar atentos ao fato de que as
definições de gênero somente se patentearão de maneira mais ostensiva no
comportamento da criança na medida em que ela comece a demonstrar de modo mais
evidente os elementos da sua condição espiritual presente.
É fato que a grande maioria das
crianças não apresentará nenhum conflito de gênero, mas é preciso reconhecer
também que espíritos com uma condição psicológica acentuadamente masculina, em
nascendo em um corpo feminino, naturalmente demonstrarão essas características
logo nos primeiros anos da sua infância. O mesmo se dará com aqueles espíritos
com uma condição psicológica acentuadamente feminina, em renascendo em um corpo
masculino. E somente um pouco mais tarde estarão em condições de estabelecer
uma definição mais segura quanto ao modo como lhes é possível se situar nesta
existência, tanto em relação à sua identidade e expressão de gênero quanto à
sua orientação afetivo-sexual.
Observa-se hoje, nessa alvorada do
Terceiro Milênio, uma maior abertura para o diálogo e, ao mesmo tempo, um
acesso quase ilimitado à informação. Deste modo, nossa sociedade encontra-se
hoje nas condições mais adequadas para romper o preconceito onde ele ainda exista
e para construir uma nova postura em termos de direitos.
Observada a
ocorrência, mais com os preconceitos da sociedade, constituída na Terra pela
maioria heterossexual do que com as verdades simples da vida, essa mesma
ocorrência vai crescendo de intensidade e de extensão, com o próprio
desenvolvimento da Humanidade, e o mundo vê, na atualidade, em todos os países,
extensas comunidades de irmãos em experiências dessa espécie, somando milhões
de homens e mulheres, solicitando atenção e respeito, em pé de igualdade ao
respeito e à atenção devidos às criaturas heterossexuais.[2]
Essa nova postura se traduz no ato de
reconhecer a todas as pessoas o direito de se manifestarem da maneira como se
sentem, sem que por isso venham a ser alvo de qualquer tipo de constrangimento
ou de limitação, na família, na escola ou na sociedade.
Algumas iniciativas na área da Educação
têm sido objeto de controvérsias por proporem discussões a respeito desse
assunto junto ao público infantil. Alega-se, sem nenhuma fundamentação
consistente, que esse tipo de discussão pode “confundir”, ou provocar algum tipo
de “conflito de identidade sexual” ou “desconfigurar a identidade da criança”,
quando já existem estudos suficientes demonstrando que esse tipo de abordagem não exerce nenhuma influência na orientação sexual futura da criança.
Ao contrário, o que esses estudos
apontam é que a falta desse tipo de abordagem no ambiente escolar tem sido a
matriz geradora do preconceito, do bullying
e da violência de gênero. Desrespeitados,
humilhados e agredidos diuturnamente na escola, esses jovens transgênero terminam
sofrendo os prejuízos do baixo aproveitamento escolar e da elevada taxa de
abandono. E o mais grave: 50% desses jovens tentam o suicídio ainda antes
dos 20 anos.
[3]
É essa cultura de aversão ao diferente
que fornece a base para o triste quadro de violência homofóbica que observamos hoje no
Brasil, onde 343 pessoas foram brutalmente assassinadas em 2016 apenas por
serem LGBTT.[4]
Como resultado prático dessas
discussões algumas escolas têm despertado para a necessidade de adaptar rotinas
simples, como as formas de tratamento ou o acesso aos banheiros, de modo que
crianças que não se sintam confortáveis em uma determinada conformação de
gênero possam ser respeitadas nos seus sentimentos, e não serem constrangidas a
agirem em desacordo com a percepção que têm de si mesmas.
Isso motivou inclusive o Senado Federal
do Brasil a incluir no seu Manual de Comunicação algumas considerações a
respeito de gênero e orientação sexual, de modo a possibilitar ao seu corpo
profissional um tratamento adequado dessas questões nos atos formais daquela
casa legislativa.[5]
Essas iniciativas podem servir de
exemplo para as nossas Casas Espíritas, nos auxiliando a promover estudos e
debates a respeito dessa temática, a rever nossos procedimentos internos, desde
a Evangelização Infanto-Juvenil até as reuniões de natureza mediúnica,
sintonizando-os com as diretrizes superiores destes novos tempos, em que se
firmam as bases do Mundo de Regeneração que todos almejamos.
Desse modo conseguiremos fazer com que
deixe de existir no ambiente das nossas instituições espíritas qualquer tipo de
preconceito ou discriminação baseados na orientação sexual das pessoas,
reconhecendo com Jesus que o único testemunho válido a respeito da nossa
condição espiritual serão os nossos “frutos”, representados, segundo Emmanuel,
“pela substância de nossa colaboração no progresso comum e pela importância do
nosso concurso no bem geral”.[6]
[3] Vide o estudo Produção científica sobre adoção por casais homossexuais no contexto brasileiro, que consolida as principais publicações a esse respeito, na revista Estudos de Psicologia, vol. 18 nº 3, Natal, Jul/Set 2013.
[4] Sugerimos uma leitura do artigo disponível em
http://portal.aprendiz.uol.com.br/2015/06/25/por-que-a-educacao-deve-discutir-genero-e-sexualidade-listamos-7-razoes/
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