ESPÍRITAS PROGRESSISTAS? O QUE É ISSO?




Elias Inácio de Moraes 

Desde 2013 que espíritas que se identificam ou que participam de partidos de esquerda começaram a sofrer discriminação nas casas espíritas, contrariando o que consta nas questões 833 a 842 de O Livro dos Espíritos, que trata da liberdade de pensamento e de consciência. O simples fato de terem discordado de manifestações públicas dos dirigentes a favor do impeachment da então presidenta da república ou de questionarem a replicação de fake news de conteúdo depreciativo contra políticos ou partidos de esquerda já era motivo para discriminação, censuras e até repreensões por parte dos dirigentes. Dizer de público que o kit gay não existia ou que "ideologia de gênero" era apenas um termo pejorativo contra pessoas LGBT ja era motivo para a pessoa ser repreendida ou ouvir gracejos quanto às suas ideias políticas, como se na casa espírita apenas um dos lados tivesse o direito de se manifestar.

O clima foi se agravando e muitas pessoas foram se desiludindo de suas casas espíritas. O simples uso do termo "justiça social" ou de qualquer argumento a favor dos programas sociais que reduziram a fome e a pobreza no Brasil era motivo para reprovações, censuras, sob a alegação de que a pessoa estava defendendo ideias antidoutrinárias na casa espírita. Muitas pessoas tiveram canceladas as palestras que haviam sido previamente agendadas; algumas tiveram questionada a sua participação na Diretoria da instituição e outras foram orientadas a procurar outra casa espírita.

De dois anos pra cá essas pessoas começaram a se encontrar nas redes sociais e a dialogar através do WhatsApp, constituindo a partir daí grupos de apoio recíproco e de discussão da situação atual do movimento espírita em relação às questões sociais e políticas. Hoje há dezenas deles espalhados pelo Brasil, alguns com participação de pessoas de vários estados.

Quando Kardec publicou a primeira edição de O Livro dos Espíritos ele achou por bem cunhar o termo “espiritismo” para diferenciar o movimento que ele estava propondo do espiritualismo vigente à época. Do mesmo modo, hoje, esses grupos entenderam de se autodenominar “espíritas progressistas” para diferenciarem-se do que eles consideravam ser um “espiritismo conservador”. No seu entendimento o Espiritismo é, pela sua natureza, progressista, e não poderia ombrear com propostas de cunho conservador que vão na contramão das propostas transformadoras da Doutrina Espírita e do Evangelho de Jesus.

Por se constituírem em movimentos informais, sem uma sede, um estatuto e um CNPJ, alguns se autodenominam “coletivos”; assim, há o CEJUS – Coletivo de Estudos Espiritismo e Justiça Social, o Coletivo Girassóis: Espíritas pelo bem comum, o grupo Espíritas à Esquerda, mas há também entidades com personalidade jurídica, como a AbrePaz – Associação Brasileira Espírita de Direitos Humanos e Cultura de Paz. Em comum eles mantêm grupos de estudos, grupos de bate papo, grupos virtuais de oração e pelo menos dois deles estabeleceram reuniões mediúnicas regulares. Nos grupos de estudos prevalece uma abordagem mais voltada para o reforço da obra kardequiana, livre de dogmatismo, aberta a uma apreciação crítica de todos os autores, inclusive espirituais. Já nos grupos de bate papo são comuns notícias de interesse dos movimentos de esquerda e denúncias de ações e atitudes do atual governo que, no seu modo de entender, vão contra os interesses da sociedade, em especial das pessoas menos favorecidas.

Na sua maioria esses grupos são formados por pessoas avessas ao capitalismo enquanto modelo econômico, ou que defendem abertamente modelos socialistas de sociedade. Eles entendem estar havendo manipulação midiática através de fake news na intenção de demonizar os partidos de esquerda e não reconhecem legitimidade nos processos judiciais que tem dado suporte ao atual quadro político.

Denegrir a imagem ou censurar as pessoas que fazem parte desses grupos não parece ser uma medida minimamente coerente com a proposta de liberdade de pensamento e de consciência que caracteriza a doutrina espírita; ao contrário, isso depõe contra o censor, de vez que, segundo Allan Kardec, o homem de bem “respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança anátema aos que como ele não pensam”.

Portanto, o desafio que se apresenta é o de colocar mais uma vez o amor e o respeito ao próximo adiante das convicções políticas de parte a parte. A casa espírita é um espaço onde todos devem conviver com pleno respeito à diversidade de modos de pensar e de agir daqueles que dela participam, sejam como associados seja como frequentadores, lembrando sempre que, como medida de prudência, é bom atentar para aquilo que Kardec escreveu no primeiro artigo do regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas: “São defesas nela as questões políticas, de controvérsia religiosa e de economia social.” Isso vale para a Esquerda, a Direita, o Centro ou qualquer outra orientação político partidária.

Jesus resumiu tudo isso de uma maneira muito simples ao afirmar que “meus discípulos serão conhecidos por muito se amarem”, o que significa que, onde há amor recíproco, até as questões sociais e políticas que afetem o interesse de todos poderiam ser objeto de análise desapaixonada, fraterna, orientada para a busca do bem geral, sem a menor intenção de imposição de pontos de vista de uns sobre os outros.

Portanto, qualquer pessoa que negue pelas suas atitudes no movimento espírita esse amor traduzido em respeito ao irmão que pensa diferente nega, por isso mesmo, a sua condição de homem de bem conforme definida por Kardec, e de seguidor do Evangelho, conforme estabelecido por Jesus.

Comentários

  1. Era exatamente o que eu procurava como esclarecimento às minhas dúvidas.

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